domingo, 10 de abril de 2011

Fogueira

É por ter o corpo quente
que ao despertar da chama, incendeio.
Ao fogo deve dar-se a lenha.

Veio-me com a sobra da noite
A lua desenhava teu contorno
Os raios tocaram-te pouco a pouco
Revelando o teu traço
Os músculos sobressaltados
O olhar em um doce cintilar marrom.
Esquivo e suave como um gato
Deixastes pêlos em meus trapos.

O vento sobre os dias nos dispersa
E no mesmo fulgor do despertar
a chama adormece.

3 comentários:

  1. Quem és? Perguntei ao desejo.
    Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.


    I
    Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
    Antes, o cotidiano era um pensar alturas
    Buscando Aquele Outro decantado
    Surdo à minha humana ladradura.
    Visgo e suor, pois nunca se faziam.
    Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
    Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
    Depois das lidas. Sonhei penhascos
    Quando havia o jardim aqui ao lado.
    Pensei subidas onde não havia rastros.
    Extasiada, fodo contigo
    Ao invés de ganir diante do Nada.


    II

    Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
    Que desenhos e rictus na tua cara
    Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
    Que sombrio te tornas se repito
    O sinuoso caminho que persigo: um desejo
    Sem dono, um adorar-te vívido mas livre.
    E que escura me faço se abocanhas de mim
    Palavras e resíduos. Me vêm fomes
    Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
    Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
    Cordura.
    Crueldade.


    III

    Colada à tua boca a minha desordem.
    O meu vasto querer.
    O incompossível se fazendo ordem.
    Colada à tua boca, mas descomedida
    Árdua
    Construtor de ilusões examino-te sôfrega
    Como se fosses morrer colado à minha boca.
    Como se fosse nascer
    E tu fosses o dia magnânimo
    Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.



    IV

    Se eu disser que vi um pássaro
    Sobre o teu sexo, deverias crer?
    E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
    Se eu disser que o desejo é Eternidade
    Porque o instante arde interminável
    Deverias crer? E se não for verdade
    Tantos o disseram que talvez possa ser.
    No desejo nos vêm sofomanias, adornos
    Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
    Voando sobre o Tejo. Por que não posso
    Pontilhar de inocência e poesia
    Ossos, sangue, carne, o agora
    E tudo isso em nós que se fará disforme?

    Existe a noite, e existe o breu.
    Noite é o velado coração de Deus
    Esse que por pudor não mais procuro.
    Breu é quando tu te afastas ou dizes
    Que viajas, e um sol de gelo
    Petrifica-me a cara e desobriga-me
    De fidelidade e de conjura. O desejo
    Esse da carne, a mim não me faz medo.
    Assim como me veio, também não me avassala.
    Sabes por quê? Lutei com Aquele.
    E dele também não fui lacaia.


    DA NOITE

    III

    Vem dos vales a voz. Do poço.
    Dos penhascos. Vem funda e fria
    Amolecida e terna, anêmonas que vi:
    Corfu. No mar Egeu. Em Creta.
    Vem revestida às vezes de aspereza
    Vem com brilhos de dor e madrepérola
    Mas ressoa cruel e abjeta
    Se me proponho ouvir. Vem do Nada.
    Dos vínculos desfeitos. Vem do Nada.
    Dos vínculos desfeitos. Vem dos ressentimentos.
    E sibilante e lisa
    Se faz paixão, serpente, e nos habita.


    IV

    Dirás que sonho o dementado sonho de um poeta
    Se digo que me vi em outras vidas
    Entre claustros, pássaros, de marfim uns barcos?
    Dirás que sonho uma rainha persa
    Se digo que me vi dolente e inaudita
    Entre amoras negras, nêsperas, sempre-vivas?
    Mas não. Alguém gritava: acorda, acorda Vida.
    E se te digo que estavas a meu lado
    E eloqüente e amante e de palavras ávido
    Dirás que menti? Mas não. Alguém gritava:
    Palavras... apenas sons e areia. Acorda.
    Acorda Vida.



    V

    Águas. Onde só os tigres mitigam a sua sede.
    Também eu em ti, feroz, encantoada
    Atravessei as cercaduras raras
    E me fiz máscara, mulher e conjetura.
    Águas que não bebi. Crespusculares. Cavas.
    Códigos que decifrei e onde me vi mil vezes
    Inconexa, parca. Ah, toma-me de novo
    Antiqüíssima, nova. Como se fosses o tigre
    A beber daquelas águas.


    VI

    O que é a carne? O que é esse Isso
    Que recobre o osso
    Este novelo liso e convulso
    Esta desordem de prazer e atrito
    Este caos de dor dobre o pastoso.
    A carne. Não sei este Isso.

    O que é o osso? Este viço luzente
    Desejoso de envoltório e terra.
    Luzidio rosto.
    Ossos. Carne. Dois Issos sem nome. (Hilda Hilst)

    Tô com saudades de ti, Cine Privé. Cara de PROJAC à base de PROZAC!

    Beijos intermináveis...

    ResponderExcluir
  2. Me fascina o poder de se captar no vento o sentimento emaranhado e calado de outrem. Obrigada por presentear-me esse poema em uma noite oportuna.
    Saudade de um vinho, um cigarro, da melhor mistura gastronômica possível e de uma vela acesa sobre a mesa.
    Um beijo enorme, fica em paz e vamos nos ver.

    ResponderExcluir