sábado, 6 de fevereiro de 2010

Um tango só.



A ingestão demasiada de café pouco influenciou na amargura que se fez escorrer sobre seu coração. Quanto menos sementes brotavam em seu interior mais desabrochavam pétalas de uma beleza profana.
Colocou o vestido que possuía o negro dos seus olhos, tecido fino. Deslizava pelas curvas do corpo como as mãos sedosas de um apaixonado ao tocar a amada. Tinha colo e pernas a mostra.
Ela sabia que os homens preferem o insinuar de um corpo a tê-lo, a primeira vista, seminu diante deles. Mas todo o mistério que precisava para fazer em parafusos a imaginação de um indivíduo estava em seu olhar.
Tirou o tango dentro d’alma, o pôs em um disco a tocar.
Lavou o rosto para entorpecê-lo do pó que camufla sua inocência repreendida, alongou os cílios tornando-os mais negros, linhas inclinadas pintadas com um rubro levemente rosado tornaram longínquo o seu rosto, salientou as sobrancelhas arqueadas com um tom claro nas pálpebras. Não colocou o batom das meretrizes em sua boca de farta carne molhada, julgou ser uma provocação além da intencional.
Sem a necessidade de ver o tempo passar pôs no pulso esquerdo apenas alguns fios dourados que combinavam com seus brincos e anel de pedra vermelha. Aumentou sua estatura alguns centímetros, salto fino, agulha que muitos homens desejam ter perfurando o peito.
Não há melhor sonoridade que a exprima nesse momento: violino, celo e piano urram dores e angústias emaranhadas no peito, traduzindo a sensualidade à flor da pele. As insinuações dos movimentos corporais, os quase beijos, os olhares que atravessam a alma e o fim trágico de duas confluências que não chegaram a se encontrar.
Amigo, o tango chora. Ser arrebatado por um, em uma noite escura como essa, é como lançar-se em maré de ondas espinhosas que reabrem feridas e salgam a pele em ardor incurável.
Sentou-se frente ao espelho e cruzou as pernas em uma breve revelação do seu pano intimo. Levou o cigarro à boca para se impregnar com seu cheiro, mirou-se com a certeza de atrair os olhares desejosos de todos os indivíduos que usassem calças e o despeito das pudicas. Estava convencida da fatalidade inerente ao seu ser- o pensamento repousou em quem, há pouco, quis matar de amor.
Borrifou o cheiro de amêndoas atrás das orelhas, pescoço, colo, pulso e braços. Saiu às ruas fazendo par ao negro vazio que a noite tem. Maltratou o coração de muitos com as garras ferinas da sedução, pobres meninos que não tem culpa do seu desamor. Quanto mais bela é tua casca mais podridão há em teu fruto. Não semeastes nada e esperas o florescer? Chuvas te renovarão, o sol ainda há de esquentar tua face e só. Iras criar raízes ocas pela tua falta de passos.
Ruminas o teu penar a cada pegada, refletes as vielas sujas e solitárias, aportando teu naufrágio em cada esquina. Menina, volta.
“A luz do cabaré
Já se apagou em mim
O tango na vitrola
Também chegou ao fim
Parece me dizer
Que a noite envelheceu
Que é hora de lembrar
E de chorar”

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